terça-feira, 15 de dezembro de 2009



As marcas da dor


 Vanilsa ao lado dos  filhos aguarda noticias de Gislaine


Após tantos anos cobrindo casos de crianças desaparecidas, meu subconsciente criou uma espécie de agenda, e cada vez que vai se aproximando de uma data, um alerta começa soar. Em 10 de novembro de 2009, fui até a rua Roger Bacon, 499, no Jardim Campo Alto, em Colombo, onde moram os familiares da menina Gislaine Aparecida Ferreira, sumida desde 11 de novembro de 1991, quando tinha 6 anos. Era perto das 9 horas da manhã, bati palmas e, enquanto aguardava que alguém viesse ao portão, um filme passou pela minha cabeça.




Voltei há 18 anos, quando conheci os moradores daquela casa, aliás a casa de alvenaria nos fundos do terreno tomou o lugar de uma modesta moradia de madeira, que ficava na frente da pequena propriedade. Seu Jurandir Ferreira, um homem negro, de meia idade, pai de seis filhos, trabalhava com produtos recicláveis e sonhava em rever a filha. Esse sonho jamais realizou, pois faleceu há quase dez anos, quando já havia se separado da esposa. Quem saiu para me atender foi o Darilson, um dos irmãos da menina, que na época tinha apenas 4 anos. Pediu para que eu entrasse e aguardasse a mãe, que estava no banho. Enquanto isso, fui conversando com ele.



- Amanhã é uma data nada fácil para vocês, não rapaz?

- É, pra nós é. Amanhã, completa 18 anos, e pra gente é triste perder um da família. A gente vê minha mãe chorando pelos cantos. É sempre triste, né?

- Qual é a lembrança que você tem da Gislaine?

- Eu lembro dela assim, quando a gente brincava. Uma vez, ela perdeu uma boneca e chorou bastante. Cada vez que eu vejo uma boneca, lembro ela.

- O seu pai morreu sem que pudesse reencontrá-la.

- É assim, né. A gente tem que levar a vida. Erguer a cabeça e olhar pra frente.

- E se você encontrar sua irmã na rua, depois de tanto tempo, seria capaz de reconhecê-la?

- É muito difícil, depois de tanto tempo.



Nesse instante, a mãe, Vanilsa de Araújo Ferreira, entrou na sala. Aposentada por invalidez e com vários problemas de saúde, nem de perto é aquela mulher que conheci, carregando sacos de materiais recicláveis. Sentou-se no sofá em frente o meu, perguntou se eu queria um café. Agradeci dizendo que não tomo essa bebida e começamos a conversar sobre o desaparecimento da menina, que saiu para ir à casa da madrinha, que ficava há poucos metros de onde morava, e desapareceu.



Na época, o caso foi investigado pela delegacia do Alto Maracanã, em Colombo. Os escrivães Ananias e Pereira ouviram muitas pessoas, porém não conseguiram nenhuma informação que pudesse levar ao paradeiro da garotinha. Uma testemunha, que infelizmente já faleceu, disse ter visto Gislaine sendo raptada por uma mulher morena clara e que usava óculos de sol, acompanhada de um homem grisalho, em um Escort vermelho.



Perguntei a dona Vanilsa como tem sido a vida nesses anos, e ela desabafou: “‘Pra’ mim não tem sido nada fácil. A gente vai vivendo assim, mas não é fácil. ‘Pra’ mim é sofrido demais. Estou com muitos problemas de saúde, estou inválida. Tenho mais cinco filhos, mas sempre falta alguma coisa. É no Natal, Dia das Crianças. Quando ela desapareceu, fui ao módulo da PM e os policiais me disseram que não podiam fazer nada.”



Também perguntei como tem sido o trabalho da polícia. “Ah, o caso está parado. Ninguém mais me procura. ‘Pra’ falar a verdade, está tudo parado. Acho que está faltando interesse da polícia. Só me chamaram lá para tirar sangue ‘pra’ mandar para um banco de DNA em São Paulo. Mas do caso mesmo, nada”.



Nisso, chegou em casa a Edilaine, irmã dois anos mais velha que Gislaine. Aí pude ter uma noção exata do tempo. Aquela menina, que tinha oito anos, quando a irmã sumiu, hoje está casada e já é mãe de quatro filhos. Dona Vanilsa ainda mostrou-me algumas fotos de Gislaine. Uma delas está em um quadro na parede, onde ela aparece ao lado das irmãs Simone e Edilaine. Depois disso, me despedi e fui embora.



No caminho de volta para Curitiba, por um lado me senti útil, pois percebi que Dona Vanilsa e os filhos, de certa forma, ficaram felizes com minha lembrança. Por outro, fiquei triste, em pensar que os policiais responsáveis pelo caso se quer prestam contas à família, nem mesmo uma palavra de conforto.

Vivian, VIVA?




Era final da tarde de quinta-feira, 5 de novembro de 2009, estava conversando com alguns amigos na redação da rádio Banda B, quando seu Luiz Ubaldino Polli Florêncio e a esposa Marlene Cacciatore Florêncio chegaram. Disseram-me que vinham do Jornal Tribuna do Paraná, onde haviam dado entrevista e, agora, queriam ajuda da Banda B, para mais uma vez noticiar o desaparecimento da neta Vivian Cacciatore Florêncio, sumida na noite de 4 de março de 2005, quando tinha apenas 3 anos. A romaria dos avós pelas redações de veículos de comunicação, desta vez, tinha uma razão em especial. No sábado, dia 7, a menina completaria 8 anos. O repórter Bruno Henrique, que estava de plantão, levou o casal para um dos estúdios de gravação a fim de fazer uma reportagem para o Jornal da Banda B e eu fui junto. Por mais de 40 minutos conversamos sobre o caso.




Viviam foi fruto do relacionamento da artesã Maria Emília Cacciatore Florêncio, 38 anos, com o sargento da Polícia Militar Edson Prado, lotado no Grupo Águia, uma espécie de esquadrão de elite, que, através do serviço velado, investigava assaltos na estradas do Paraná. Maria Emília estava com dificuldades financeiras, pois, além de Vivian, tinha dois filhos para sustentar. Aconselhada pela família, ela entrou em contato com o PM, que tinha outra família, para solicitar pensão alimentícia. Um encontro foi marcado para o início da noite de 4 de março, na praça Tiradentes, centro de Curitiba.



Maria saiu de casa no conjunto Santa Efigênia, no Barreirinha, passou na creche onde a filha estava e, juntas, foram ao encontro marcado. Para os outros filhos, Maria Emília disse que iria se encontrar com uma amiga. “Ela não falou que ia se encontrar com Edson, porque as outras crianças não gostavam dele”, relatou seu Luiz. “Naquele dia, vi minha filha pela última vez”, lembrou dona Marlene. Cinco dias depois, em 9 de março, um rapaz, que caminhava por um matagal, achou o corpo de Maria Emília em Campina Grande do Sul (Região Metropolitana de Curitiba).



Morta com um tiro na cabeça, foi enterrada numa cova rasa. Estava nua e com as mãos e pés cobertos com cal, uma maneira de adiantar a decomposição e dificultar o reconhecimento do cadáver. A criança sumiu. Naquela mesma noite, Prado apanhou outra amante, uma aspirante a oficial da PM, no Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná, no bairro Jardim das Américas. Segundo o delegado Jaime Luz, da Delegacia de Homicídios, Prado agiu assim, talvez para ter um álibi caso as suspeitas recaíssem sobre ele. Ao ser ouvida no inquérito, a policial disse que achou estranho o sargento estar com os sapatos sujos de barro e folhas. Ainda naquele mês, ele foi preso e sempre negou o crime.



Segundo depoimento dado ao delegado Jaime Luz, Edson alegou que realmente marcou o encontro com Maria Emília, mas não compareceu. Durante as investigações, outro episódio chamou atenção. A viatura descaracterizada que ele usava foi apreendida e encaminhada para exames no Instituto de Criminalística, a fim de apurar a existência de vestígios que pudessem levar a polícia a comprovar o crime com um dado material. Porém, estranhamente, alguém foi até o Instituto e, se passando por policial da Delegacia de Vigilâncias e Capturas, liberou o carro.



Levado a júri popular, o sargento Prado foi condenado a 18 anos de prisão, pela morte de Maria Emilia, mas continua calado quando é questionado sobre Vivian. Esse silêncio tem incomodado os avós, que continuam criando os filhos de Maria Emilia, Evandro e Vanessa. “Nós temos o culpado. Eu não sei por que, até hoje, não foi desvendado este mistério. Eu pergunto para as autoridades por que não vão pra cima do criminoso ‘pra’ ele dizer onde está minha neta?”, questiona angustiado seu Luiz. “Bandido como ele é, Vivian seria testemunha do crime. Sou franco em dizer que não tenho mais esperança de encontrar minha neta com vida”. Já a avó tem outra opinião e diz, num misto de esperança e angustia, que “dói muito falar sobre a Vivian, porém eu sinto, no meu coração, que ela está viva. Assim como eu crio o Evandro e a Vanessa, os outros irmãos, tenho a esperança de ter a Vivian comigo de novo.”



Antes de sair do estúdio, os dois fizeram um pedido para mim e o Bruno: “por favor, nos ajudem! Não deixem que as autoridades esqueçam da nossa neta”.

Dor em dobro


Dona Vera cobra justiça.
Se ter um filho desaparecido já não é fácil, imagine dois de uma vez só. A dor é da dona de casa Vera Lucia da Silva, que há seis anos sofre pela ausência dos filhos. Na tarde de 24 de agosto de 2003, Alex da Silva Botzan, 9 anos, e o irmão Cláudio Geovani da Silva, 10, saíram de casa, na rua Dorval Cecon, Jardim Ana Terra, em Colombo, por volta das 10 horas da manhã. Eles iam a uma chácara buscar um cavalo, que, supostamente, haviam ganho de um homem que conheceram na rua. “Eles falaram que um tio, que eu não sei quem é, iria dar um cavalo para eles”, relembra Vera Lucia.




Teoricamente, procurar duas crianças é mais fácil que uma, mas na prática isso não aconteceu. Desde o início, muitas informações chegaram à polícia. Primeiro, que os meninos estariam em São José dos Pinhais, depois, no Pinheirinho. Todas as pistas foram checadas, mas nenhuma foi bem-sucedida. No dia em que eles desapareceram, estavam acompanhados de uma tia, que disse não ter visto para onde eles foram. “Achei estranho, porque só fiquei sabendo às 21h, quando cheguei do meu trabalho. Liguei na delegacia e pediram 24 horas para começar a investigação. Desde aquele dia, estamos esperando por notícias”, conta Vera.



O desaparecimento fez com que ela e o marido Vanderlei começassem a trocar acusações. As frequentes brigas foram desgastando a relação e o casal se separou. Vanderlei continua morando no Jardim Ana Terra, bem perto do lugar onde os meninos desapareceram. A mãe não entende como a tia, que cuidava das crianças e estava junto com elas, diz não ter visto nada. Por conta das desavenças familiares, a tia foi embora para Santa Catarina e não manteve mais contato.



Vera lamenta o descaso das autoridades. Ao repórter Marcelo Borges do Primeiro Jornal da cidade de Colombo, ela disse: “Até hoje só aconteceu uma audiência sobre o desaparecimento dos meus filhos. Ligo várias vezes para a polícia, mas nunca tem novidades.” Ao contrário das outras mães de crianças desaparecidas, Vera tem uma posição mais racional e não se deixa levar pela emoção. “Sinto, mas sei que é muito difícil, pelo tempo que passou, que um dia vou ter a oportunidade de abraçar os meus filhos novamente. Durante várias semanas procurei a delegada Ana Claudia Machado, para ouvi-la sobre o caso. Em todas as tentativas ela sempre alegava que estava ocupada e não poderia falar sobre esse ou qualquer outro caso.”

domingo, 15 de novembro de 2009

Testemunha da Dor

Em 25 anos trabalhando como repórter policial, presenciei muita gente chorando. Choro do médico que viu os filhos morrendo dentro de um carro em chamas, choro da mãe que perdeu dois filhos assassinados na briga por um óculos de sol, da menina que teve o pai policial, morto em confronto com assaltantes, do Antenor Bonfim, ex- secretário de Estado, sepultando a filha Milena, executada por um bandido, quando passava na frente de um banco, da mãe e filha que não se viam há 30 anos. Choro de gente rica, choro de gente pobre, lágrimas que dariam para formar um pequeno lago.
Mas não conheço lamento mais marcante do que o choro dos pais de crianças desaparecidas. Alguns há mais de vinte anos, derramam lágrimas de incerteza, por não saber aonde o filho foi parar. Se está alegre ou triste, se está vivo ou se está morto. Vejam o caso Everton, conheci o pai do menino, o Zézo, antes mesmo do desaparecimento, pois trabalhei com o pai dele o saudoso José Vicente, radialista das antigas. Jovem, bem casado, Zézo ainda comemorava a aprovação no concurso de Oficial de Justiça do Estado, quando começou o pesadelo que já dura 20 anos.
Funcionário público, com um bom salário, casa no Centro Cívico, não tinha o que dar errado na vida dele. Ainda me lembro daquele dia 23 de dezembro de 1988. Estava de plantão na rádio Cidade, quando soube do desaparecimento. Parece que foi ontem, mas quando olho para ele, enxergo a realidade. Envelhecido pela dor, problemas cardíacos, Zézo tem estampado na face às marcas do sofrimento. Quando converso com ele tenho a impressão que tem vontade de dormir e não acordar mais. Não sei onde encontra tanta força. Everton então com quatro anos, desapareceu da frente de casa, na rua Celeste Santi, no Centro Cívico.E aquele Natal que seria de festa, foi o primeiro pesadelo de muitos. De lá para cá o caso rolou, passou por 15 delegados e até hoje, não se têm uma solução.
Mas assim como a família Gonçalves várias outras sofrem este mesmo tormento e continuam pergutando: Aonde está meu filho? Todos os anos a polícia registra o desaparecimento de dezenas de crianças no Paraná. Algumas nunca voltam para casa. São 22 famílias que vivem um pesadelo que parece não ter fim.
Crimes perfeitos ou maus investigados? Se olharmos apenas para os números frios das estatísticas, veremos que o Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas - SECRIDE, órgão da polícia criado em 1995, pela Secretaria de Segurança Pública do Paraná - SESP, para investigar esses casos, tem feito um bom trabalho. Entre 1996 e 2006 foram registradas 929 queixas.Deste total, apenas 09 permanecem sem solução, algo em torno de 1%. No entanto, para quem vive na pele o drama de um filho desaparecido, o aproveitamento da polícia é de 0%. A pergunta que se faz é a seguinte: Porque esses casos nunca foram esclarecidos? Porque ás famílias nunca tiveram uma resposta efetiva do tipo "Seu filho foi vítima de um pedófilo ou então foi levado para fora do país por uma quadrilha ligada ao tráfico internacional de crianças, ou ainda ele foi adotado por uma família e está morando em tal lugar? Como pai, tenho a capacidade de saber o quanto representa um filho, mas jamais poderei mensurar a dor que estes pais sentem. Por isso decidi que tinha que fazer algo mais para tentar de algum jeito ajudar essa gente.Após quatro anos nos bancos da Universidade Tuiuti achei que um livro seria uma boa coisa.